Engulhos de ontem, doentes de hoje: pensar a loucura em Portugal no século XIX. O caso do distrito de Viana do Castelo
Resumo
A humanização da loucura, fruto do desenvolvimento científico, permitiu que esta fosse abordada sob o prisma da cientificidade e não do obscurantismo. Essa mudança terá consequências no domínio da própria percepção do alienado. Progressivamente, este deixa de ser visto como um estorvo ao progresso social, para ser encarado como um doente, com perspectivas de cura, mediante a aplicação de uma terapêutica adequada. Porém, este não foi um processo célere, linear e generalizado. Podemos mesmo afirmar que estas duas concepções da loucura coexistiram na sociedade ocidental durante muito tempo. No século XIX, o louco continuava a ser considerado como um «empecilho», por fazer perigar, através dos seus comportamentos, os valores da sociedade burguesa. Tido como desprovido de racionalidade, não podia ser considerado um Homem na verdadeira acepção da palavra, não dispondo, por isso, de liberdade. Era o «idiota», o «doudo» o «demente», como ainda aparece descrito nos documentos de oitocentos, que, por causa do seu desvio, atentava contra a propriedade e a tranquilidade pública. Deste modo, a sociedade oitocentista vai lidando com os homens e mulheres alienados de forma claramente antagónica: ora encarando-os como doentes, ora como estorvos ao progresso social. Admitia que o louco devia ser amparado, mas reivindicava também a protecção da população face aos riscos que a sua presença comportava. A medida ideal para combater, eliminar e, se possível, tratar a alienação era o isolamento. Esta solução não podia ser encarada como um acto de desumanidade, mas antes como um passo crucial para o desenvolvimento da sociedade, através do afastamento dos elementos menos capazes, apesar da visão mais humanista que foi desenvolvida no século XVIII sobre as doenças e os doentes mentais.
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