O Projeto

O projecto “Modos de vida e formas de habitar: as ilhas e bairros populares do Porto e Braga” (PTDC/IVC-SOC/4243/2014), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, focaliza-se no estudo multidimensional das ‘ilhas’ e bairros sociais do Porto e de Braga e, em particular, sobre os problemas da habitação social. Este projeto, para além do enquadramento nos emergentes processos de industrialização e urbanização sobretudo desde os anos 60 do século XX e respectivas mudanças e continuidades, exige refletir sobre a relação entre espaço, tempo e sociedade e equacionar, de entre os modelos sobre o fenómeno urbano (funcionalista, bio-ecológico-cultural, (neo)weberiano, (neo)marxista, cultural-simbólico), qual ou quais dessas abordagens permitem não só interpretar a evolução das diversas configurações do rural-urbano nas últimas décadas, como compreender e explicar de modo adequado os comportamentos dos residentes em meio urbano, designadamente nas ilhas e bairros populares do Porto e Braga.

De modo ainda mais direcionado e incisivo, este projecto implica analisar o papel das instituições públicas estatais e camarárias na esfera da habitação, dos equipamentos e consumos coletivos, assim como das associações e movimentos sociais urbanos de resistência e adaptação/acomodação, com particular incidência nos referidos bairros de habitação social. Por fim, as ‘ílhas’ e bairros sociais, através da triangulação de diversos métodos de ordem quantitativa (análise estatística, inquéritos) e qualitativa (entrevistas semiestruturadas, grupos focais e análise de conteúdo) e um trabalho de campo nos bairros selecionados serão analisados como subtotalidades significativas em função dos locais de trabalho e habitação, obrigando igualmente a equacionar a questão de saber se estas ‘ilhas’ e bairros populares evidenciam diferentes tipos de sociabilidade e se caracterizam por determinados modos de organização socio-espacial com identidades e solidariedades socio-espaciais enraizadas e, eventualmente, alguns tipos de conflitos, nomeadamente territoriais, interétnicos e de classe, em regra com entidades exteriores ao bairro.

Perante flagrantes assimetrias causadas pela lei da oferta e procura e pela renda fundiária urbana (cf. Santos 1982), este projeto visa acrescentar conhecimento novo em torno dos modos de habitar e viver em bairros sociais, no quadro do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.Nova_UMinho). Por outro lado, o projeto, para além de aprofundar o conhecimento sobre a realidade social urbana no campo da habitação básica – o qual pode ainda contar com o Laboratório de Habitação Básica – tem em vista elaborar recomendações para políticas públicas que visam corrigir e atenuar as referidas assimetrias através de programas nacionais e camarários de habitação social, seja pelo controlo e disposição de certas parcelas de terrenos para construção a custos controlados, seja pela via da comparticipação do Estado ou das autarquias na (auto)construção ou no acesso à habitação social, seja ainda, como ocorre em diversos países do centro e sobretudo do norte de Europa, por uma política de solos anti-especulativa e implementação de regras de gestão, distribuição e atribuição de alojamento, estipulando contenção nos montantes das rendas de casas disponibilizadas por senhorios privados.

Focalizando-nos na região Norte e, em particular, nos cidades do Porto e Braga, os impactos do êxodo rural e das migrações, da urbanização e da, embora débil, industrialização desde os anos 60 do século XX, a penetração das novas tecnologias e o papel do Estado e, sobretudo desde os anos 90, de instâncias supraestatais, têm reconfigurado os espaços rurais e urbanos, tal como o têm evidenciado diversos estudos (Pinto 1985, Almeida 1986, Wall 1998, Silva 1998, Fortuna 1997, Pereira 2005, Pinto e Queirós 2010, Queirós 2014, Rodrigues e Silva 2015). Nestes espaços verificam-se índices preocupantes de crescente subalternidade e dependência – e de marginalização no interior (Alto Minho e Trás-os-Montes) – no contexto (inter)nacional (Cadima e Cabral 1993, Silva e Cardoso 2005, Gonçalves et al 2007), o que nos induz a questionar: que factores exógenos e endógenos explicam esta relativa subalternidade e dependência, exclusão e marginalização, nomeadamente nas ‘ilhas’ e ‘bairros sociais’ no Porto e em Braga? A esta questão procuraremos dar resposta com base nos dados históricos e empíricos a recolher com o trabalho de campo, compreendendo e explicando as referidas situações de dependência e privação, de exclusão e marginalização e, nalguns casos, de segregação social e étnica.