Jornalismo vs Propaganda: debater o jornalismo “especializado”
Três meses e meio depois de ter começado um trabalho de investigação sobre a TAP, a SIC fez um esforço para acrescentar informação ao debate sobre a situação da transportadora aérea portuguesa. Em dois trabalhos jornalísticos de investigação (aqui e aqui) foi apresentada a base da ruína da TAP; uma base que ultrapassa a espuma das acusações entre governo, administração e sindicato dos pilotos e que se fixa nas opções de gestão que conduziram a empresa à situação de fragilidade financeira em que hoje se encontra.
Este trabalho tentou alertar para o excesso de informação por filtrar, contaminada pelos profissionais de comunicação que, interna e externamente, prestam assessoria à administração da TAP. Nos primeiros dias de maio, na sequência da greve dos pilotos, a opinião pública foi intoxicada pela versão da empresa que, omitindo a crise de liquidez a que chegara, tentava colocar o ónus da situação na classe profissional que decretara a paragem de dez dias. O sindicato dos pilotos, sem estratégia de comunicação que amparasse a decisão de manter a greve, viu-se literalmente engolido pela versão única emitida pela TAP.
Para esta situação em muito contribuiram os jornalistas que acompanham o fluxo informativo diariamente emitido pela companhia aérea. Sem qualquer questionamento, sem que sobre a informação veiculada fosse exercida a necessária ação de verificação, esses jornalistas “especializados” contribuiram decisivamente para que a verdade da TAP se sobrepusesse à verdade dos números. Estas duas reportagens, feitas por um jornalista generalista, mas ancoradas no princípio metodológico da investigação jornalística, transportou para a opinião pública dados que a estratégia de comunicação da TAP conseguira, até à data, encobrir. Este exercício jornalístico tem alimentado em mim a dúvida sobre a cobertura de assuntos polémicos por jornalistas especialmente próximos do objeto. Julgo que o enquadramento da especialização jornalística é debate que a academia e o mundo profissional deveriam, rapidamente, promover.
Pedro Coelho | UNovaLisboa | SIC