1) Que vantagens vê numa formação académica em Jornalismo/Comunicação para o exercício da profissão de jornalista?
Lembro-me da forte impressão que me causava, nos idos dos anos de 1990, por alturas das férias escolares nos EUA, a leitura do pequeno texto de abertura da revista Time: “To our readers”. Um deles, pelo menos, era dedicado aos estagiários que nesse ano tinham sido acolhidos na redacção. Em termos sempre calorosos, o responsável de serviço dava-nos a conhecer quem era e donde vinha cada um. Motivo da forte impressão que me provocava essa leitura: as origens académicas eram as mais diversas, estendendo-se das Humanidades às Ciências.
Uma das maiores vantagens da formação académica em Jornalismo/Comunicação será a de que o candidato começou, mais cedo e de forma academicamente tutelada, a problematizar questões específicas da comunicação mediada e do exercício profissional. Mas também vejo com muito bons olhos a presença numa redacção de gente oriunda de outras disciplinas.
É verdade que o jornalismo integra, cada vez mais, contributos das pessoas antigamente conhecidas por audiências, e por isso essa diversidade disciplinar na formação académica dos seus praticantes será talvez, menos crucial. Mas confesso que a redacção ideal, para mim, continua a ser aquela que correspondesse à imagem que fazia da redacção da Time naquelas semanas de férias escolares: um cadinho onde se fundiam, ao serviço do jornalismo, todas as experiências e saberes – Direito, Matemáticas, Engenharias (nelas integradas hoje, claro, as informáticas, o multimédia, a computação gráfica), Economia, Gestão, Ciências Naturais, Medicina, História, Filosofia, Sociologia, Línguas e Literaturas e por aí adiante.
Sendo que este “por aí adiante” não é inimigo do exercício profissional por quem não tenha “canudo” para exibir. Não, o jornalismo não começou no ano em que saíram os primeiros licenciados da Nova. Licenciados de outros cursos foram passando, ao longo do século XX, pelas redacções portuguesas. Alguns bem ilustres. Como ilustres foram redactores, repórteres, articulistas que nem o liceu completo chegaram a fazer. Para não apontar exemplos cá de dentro: num texto já com mais de 20 anos, em que lamentava a emergência de uma nova cultura do trivial, da celebridade, da bisbilhotice e do sensacionalismo, orientada para as audiências, Carl Bernstein (o “outro”, do caso Watergate) contava que o jornal onde começou a trabalhar aos 16 anos tinha sido de algum modo a sua faculdade — um local onde aprendera o sentido da perfeição e da procura “da mais fiel versão da verdade”, a noção dos ideais do interesse público e comunitário, da concorrência com princípios, do empenho no civismo e na decência. E que o bom jornalismo exige um considerável grau de coragem (“A minha geração, a vossa geração”, Público, 10.7.1994).
2) Que resposta deve a formação académica dar aos efeitos da associação do mercado e das novas tecnologias ao jornalismo?
Fica implícita nos parágrafos anteriores esta convicção de que (desculpe-me Terêncio o abuso), nada do que de interesse ocorre no mundo pode ser estranho a uma redacção. Grave seria se a formação dos jornalistas descurasse as componentes tecnológicas, empresariais e organizacionais que estruturam e condicionam o campo.
3) Defende uma formação sobretudo técnica (estudo e prática da técnica profissional) ou alicerçada numa componente mais reflexiva (estudo do jornalismo integrado no universo mais vasto da comunicação)? Porquê?
Por tudo o que deixei dito, compreender-se-á que defenda mais do que isso. Defendo, simultaneamente, um alargamento das fronteiras dos saberes. Mas inverto a ordem: primeiro, os alicerces, a componente reflexiva; depois o estudo e prática das técnicas profissionais. Aproveito para sublinhar que incluo na expressão “componente mais reflexiva” as questões éticas e deontológicas da prática jornalística (hoje, mais do que nunca, distintivas do exercício profissional). Faço, de qualquer modo, um alerta que venho repetindo desde o II Congresso do Jornalistas (Deontologia, 1986): fazer jornalismo exige um apetrechamento cultural e profissional que permita entender os factos e os seus enjeux, encontrar a palavra exacta e usar os meios técnicos mais adequados para que o receptor entenda os significados. A ignorância, a mediocridade e a incompetência técnica constituem delitos contra a liberdade de expressão, contra o público e contra profissão.
4) Que ligação deve existir entre a academia (cursos de jornalismo) e a profissão, durante o período letivo e na fase de estágio?
A melhor e mais enriquecedora possível. Chamando à docência ou convidando para seminários ou conferências, profissionais no activo e antigos profissionais. Tomando iniciativas ou aproveitando realizações que propiciem a imersão dos alunos em ambiente jornalístico (visitas, debates, filmes, trabalhos práticos). Daquelas que conheço directamente ou de que vou recebendo notícia, tenho muita expectativa em ver, dentro de dois ou três anos, os resultados das experiências em curso em mestrados e pós-graduações na FCSH/UNL, no ISCTE e na UAL. No que respeita aos estágios, as más experiências chegam para que se imponha uma revisão séria do sistema, num diálogo entre a escola, as empresas, e a profissão.
Adelino Gomes | Jornalista | CIES IULisboa