1) Que vantagens vê numa formação académica em Jornalismo/Comunicação para o exercício da profissão de jornalista?
Não gostaria de responder a questão em termos de vantagens. Trata-se, a meu ver, de uma exigência. Numa sociedade em que se verifica uma crescente especialização das áreas do saber, não podemos continuar a pensar que o jornalismo pode continuar a não assentar 1) numa formação superior, 2) numa formação especializada que passa pela formação em jornalismo. Nos anos 60 do século XX dizia-se que a Comunicação era como uma encruzilhada em que todos passavam e ninguém se detinha. A minha experiência, quer no jornalismo quer na academia, demonstrou-me que, devido à especialização que enfrentamos em todas as áreas do saber, é necessário que alguém se ocupe dos saberes essenciais que atravessam essa encruzilhada da Comunicação. Percebo que se possa sustentar que as redações podem ter profissionais do Direito, da Sociologia, da Economia… mas esse aspeto não exclui, por um lado, que esses profissionais acumulem a sua formação como uma área no jornalismo, procurando perceber as questões essenciais da teoria entretanto produzida; nem exclui, por outro lado, profissionais com uma forte formação interdisciplinar que os habilite a perceber a complexidade dos discursos que se cruzam na área da comunicação. Por isso, considero, hoje, gongórica a discussão em torno da necessidade de uma formação em jornalismo. Por isso, também, considero que a questão não se coloca já no plano das vantagens: é uma exigência ética de uma profissão com um forte pendor de serviço público.
2) Que resposta deve a formação académica dar aos efeitos da associação do mercado e das novas tecnologias ao jornalismo?
Defendo que a formação académica, em qualquer área, não deve andar a reboque do mercado. Para isso existem os centros de formação especializada, cujo papel não se deve esquecer. Fazê-lo – andar a reboque do mercado – significa reconhecer que a comunicação e o jornalismo não produziram, ao longo das últimas décadas, um saber próprio relevante capaz de afirmar uma autonomia em torno de saberes essenciais da área.
Relativamente às tecnologias, penso que elas fazem parte do saber da comunicação e do jornalismo. É impossível perceber as sociedades contemporâneas sem perceber o papel das tecnologias. Uma forma de o fazer é explicá-las, discuti-las e aplicá-las. Dito de outro modo, assim como não concebo uma formação em jornalismo puramente teórica, também não concebo uma formação puramente técnica. Sempre considerei que as velhas divisões entre teoria e prática resultam essencialmente de idiossincrasias formativas erradas, de quem só consegue dar uma formação de lápis e papel e se refugia na teoria, ou de quem, numa lógica de mercado, apostou nas tecnologias mas não as consegue pensar. Por vezes, fico com a sensação de que esta discussão resulta mais de uma incapacidade que não ousa dizer o seu nome, do que divergências acerca de projetos formativos sérios e honestos. Ainda assim, gostaria de dizer que consigo conceber, ao nível da especialização avançada, percursos formativos essencialmente teóricos e, nalguns casos, sobretudo técnicos. Espero com isto não incomodar Kant no seu merecido e respeitável descanso, mas diria que no jornalismo os conceitos sem conteúdos são vazios e as técnicas sem conceitos são cegas.
3) Defende uma formação sobretudo técnica (estudo e prática da técnica profissional) ou alicerçada numa componente mais reflexiva (estudo do Jornalismo integrado no universo mais vasto da Comunicação)? Porquê?
Penso que a questão ficou em grande medida respondida atrás. Acho imprescindível a componente reflexiva, tanto mais que – sobretudo para os alunos que enveredam pelo jornalismo – as redações tendem a perder cada vez mais essa dimensão, que reputo de essencial na comunicação e no jornalismo. Mas considero inaceitável que alguém que se formou nestas áreas não conheça o essencial da técnica profissional. Aliar a dimensão reflexiva e a dimensão técnica é mais do que criar um bom profissional. É também criar as condições essenciais para que o jornalismo possa progredir e renovar-se. Esse é um desafio do jornalismo nos tempos que correm.
4) Que ligação deve existir entre a academia (cursos de Jornalismo/Comunicação) e a profissão, durante o período lectivo e na fase de estágio?
Penso que essa ligação é importante sobretudo ao nível do Estágio. Infelizmente, em Portugal, temos poucas universidades que possam recriar modelos formativos que, mesmo aproximadamente, reflitam o ambiente de uma redação. E já que falamos tanto em sociologia do jornalismo – e bem –, é importante que os alunos tenham essa experiência nos Estágios.
Penso que o modelo de estágio que conheço garante uma ligação modelar: 1) um protocolo assinado entre a academia e a entidade de acolhimento do estagiário, 2) um orientador da academia e um orientador no local de estágio, 3) a imersão do aluno nas tarefas da redação, 4) a elaboração de um relatório final, 5) e uma avaliação que reflita o trabalho desenvolvido na academia e na redação. O que pode não funcionar neste modelo tem a ver com pressupostos que por vezes não são cumpridos de parte a parte, nomeadamente: incapacidade dos orientadores se articularem entre si de modo a fazerem um efetivo acompanhamento do aluno, por razões que, por vezes, escapam aos próprios orientadores.
Permitam-me que acrescente mais uma coisa que vai para além da pergunta. Na realidade, parece-me que a questão surge muitas vezes deslocada quando pensamos apenas em alunos. A ligação entre academia e o jornalismo deveria passar também pelos professores e jornalistas, através de intercâmbios, de visitas, experiências, debates etc.
Carlos Camponez | UCoimbra