Doença em notícia: um balanço de nove semestres de trabalho

Nos últimos anos, o campo da saúde tem vindo a suscitar uma crescente atenção dos media. Em Portugal e no estrangeiro. Neste contexto, importa analisar, com profundidade, como se vem desenvolvendo o trabalho dos jornalistas neste âmbito. É essa indagação que procuramos fazer através do projeto “A Doença em Notícia” – PTDC/CCI-COM/103886/2008, tendo como corpus de análise os artigos publicados, desde 2008, nos jornais Público, Jornal de Notícias e Expresso que incidem sobre a temática da saúde, ou seja, um corpus de 7675 artigos noticiosos. De uma forma muito genérica, poderemos dizer que o nosso propósito é conhecer “quem fala aí do quê?”. Por outras palavras, procuramos conhecer os temas, a geografia dos acontecimentos, os géneros jornalísticos valorizados, as doenças mediatizadas, os ângulos de abordagem jornalística e, algo muito importante neste contexto, as fontes de informação. Em relação a estas últimas, interessa-nos saber donde são, qual a sua profissão/cargo, a sexo pertencem e a forma como se apresentam no texto. Ao fim de nove semestres de análise contínua, começamos a ter um retrato algo nítido do jornalismo de saúde desenvolvido na imprensa portuguesa.

As conclusões do nosso trabalho apontam para uma abordagem da Saúde que assenta fundamentalmente em ângulos negativos, desenvolvidos em textos de tamanho médio, apresentados em género de notícia, que valoriza assuntos ligados à política e que ilumina preferencialmente acontecimentos com escala nacional. Embora os textos de saúde não falem muito de doenças, quando o fazem, salientam sobretudo a gripe e as doenças oncológicas. No que diz respeito às fontes, elas apresentam-se de forma identificada, são sobretudo homens que falam à escala nacional e que ocupam cargos oficiais ou que exercem profissões especializadas em lugares de chefia. Em cada texto, o jornalista não cita muitas fontes. Grande parte deles, cita apenas uma fonte, um dos dados que suscita alguma reflexão sobre a qualidade do jornalismo desenvolvido no campo da saúde.

Percorrendo aquilo que entre 2008 e 2012 foi notícia, não podemos dizer que a imprensa portuguesa tenha contribuído para a construção de uma vibrante esfera pública da saúde. Os Retratos de Situação e os assuntos relacionados com Políticas de Saúde esgotaram grande parte dos motivos de noticiabilidade. Os jornalistas poderiam ter apostado mais em temas relacionados com a prevenção, com atos clínicos ou com ações de cidadania… Teríamos, assim, um noticiário mais diversificado e, decerto, mais plural nas vozes citadas. Não é esse o retrato que encontrámos. No que toca ao jornalismo de saúde em Portugal, e no que respeita aos jornais analisados.

No processo de construção da informação sobre saúde, há um elemento que sobressai: as fontes de informação. O papel da fonte é fundamental, sobretudo quando se aborda o jornalismo desde uma perspectiva de responsabilidade social, que é o nosso modo de aproximação a este campo. Uma fonte de informação tem um dever inviolável para com a verdade institucional, mas, porque nem sempre este valor é prioritário na comunicação estratégica, o jornalismo tem a obrigação de fazer um escrutínio rigoroso das informações fornecidas. Qualquer dado mal ponderado, qualquer erro pode geral um clima de alarme social, de efeitos incontroláveis, como, aliás, constatámos num estudo sobre a gripe A. Com o objectivo de assegurar a veracidade daquilo que transmitem, os jornalistas devem procurar fontes credíveis, encontrando nas vozes oficiais alguma segurança quanto à fiabilidade da informação transmitida. É assim na mediatização de todos os campos sociais. É assim na mediatização dos assuntos de saúde. Em Portugal e noutros países.

Se há fontes que falam muito, outras falam pouco ou quase não falam, avolumando uma perversa espiral do silêncio. Referimo-nos aos pacientes e seus familiares bem como ao cidadão comum. Os primeiros são mais abordados pelos jornalistas, quando os temas oscilam entre os Retratos de Situação e as Práticas Clínicas e Tratamentos ou quando o texto se apresenta como uma reportagem ou multiplica o número de fontes. Para quebrar este círculo vicioso do monocronismo testemunhal, seria imprescindível alargar o cerco daqueles que falam, procurar outros indivíduos e outras fontes documentais que trouxessem mais pluralismo à noticiabilidade produzida. Não seria, decerto, necessário calar aqueles que já têm direito à palavra (as fontes organizadas). Bastaria multiplicar o número de fontes citadas em cada artigo de saúde que, no caso dos jornais diários, se resume, em termos médios, a uma ou duas.

Em jeito final, queremos desafiar fontes de informação e jornalistas para, juntos, procurarem construir um jornalismo da saúde mais esclarecedor naquilo que se torna noticiável, mais diversificado nos temas de que se fala, mais descentralizado na cobertura mediática e nas pessoas a quem se dá voz, mais plural no estatuto das fontes de informação citadas, mais equilibrado na preferência por homens e mulheres que são notícia, mais diferenciado nos géneros jornalísticos que escolhe para dar forma aos seus textos. Só assim, poderemos acreditar numa esfera pública da saúde com outra vitalidade.

Felisbela Lopes, investigadora responsável do projeto “A Doença em Notícia”

Luciana Fernandes, bolseira de investigação do projeto “A Doença em Notícia”

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