Prevenir para poupar ou prevenir para mudar?

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No final de 2012, o apelo que o secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde fez, numa entrevista à Lusa, à prevenção de doença para preservar a sustentabilidade do SNS  foi notícia nos diários analisados: “Se nós, cada um dos cidadãos, não fizermos qualquer coisa para reduzir o potencial de um dia sermos doentes, por mais impostos que possamos cobrar aos cidadãos, o SNS será, mais tarde ou mais cedo, insustentável”.

Na análise da cobertura jornalística sobre saúde temos verificado que o tema da Prevenção é pouco abordado e, quando o é, segue o discurso da prevenção que parece enformar a citação do representante político antes mencionado. Trata-se de um discurso de responsabilização do cidadão pela própria saúde, sendo o poder adquirido em resultado de mais informação e tido por desejável sobretudo na medida em que é visto como potenciador do controlo pessoal sobre os factores que atingem a saúde ou propiciam uma vida saudável. O trabalho desenvolvido na epidemiologia social e em várias ciências sociais há muito que mostra que a prevenção deve ser apresentada como um processo relacional, em vez de um ato individual, uma vez que a mudança é menos um assunto de disseminar conhecimento do que transformar estruturas de poder, padrões de discriminação e de violência estrutural que modelam as circunstâncias para além da escolha pessoal, a que acrescem fatores interpessoais, sociais, culturais, simbólicos, económicos e políticos com papéis influentes na doença e na prevenção.

Com a progressiva transferência da gestão das políticas da saúde e da vida do plano público e coletivo para o plano individual e privado a que temos vindo assistir no nosso país, acrescem aos riscos sociais acima referidos outros riscos centrados na experiência de viver novas formas de desigualdade e exclusão sociais que decorrem do não cumprimento dos direitos sociais à saúde.

O discurso dominante da Prevenção que permeia o discurso jornalístico sobre o assunto sugere que em questões de saúde podemos fazer escolhas e que estamos numa posição para o fazer. Nas circunstâncias atuais, onde a maioria das pessoas tem cada vez menos poder para adoptar comportamentos preventivos, faz cada vez mais sentido fazer da prevenção uma preocupação coletiva, de governos e de comunidades, e não meramente uma preocupação individual. Tal implicará, para além de outras coisas, que a imprensa reconheça como legítimos outros porta-vozes, porta-vozes dos saberes leigos e dos saberes sociais e culturais, e os  inclua como fontes e protagonistas quando a saúde é notícia.

Zara Pinto-Coelho – Membro do Projeto “A Doença em Notícia”

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