Saúde, media e indústria farmacêutica

medicamentos

O projeto de investigação “A Doença em Notícia” constituiu-se como um observatório da noticiabilidade sobre saúde em Portugal, desde 2008, e por isso encerra uma grande vantagem – o tempo de duração do estudo permite-nos desenvolver um olhar longitudinal sobre os diferentes fenómenos observados. Ora, uma das temáticas que temos vindo a acompanhar é a presença da indústria farmacêutica nos textos jornalísticos sobre saúde, que se faz a partir do seu compromisso com a saúde pública e, mais frequentemente, destacando a componente Negócios e Economia da saúde que estas organizações encerram.

O esforço que as empresas farmacêuticas desenvolvem para fazer aparecer os seus nomes e as suas marcas nos media é grande. Dispõem de gabinetes de comunicação e marketing bem organizados e com experiência. E é legítimo que queiram ter acesso ao espaço público, quando nele pretendem partilhar informações relevantes para as populações. Contudo, os media queixam-se das intenções permanentemente comerciais do setor e tendem a evitar fazer notícia dos seus assuntos, mesmo os que dizem respeito a I & D, pela desconfiança de que consigo tragam interesses económicos.

Em resultado desta relação de suspeição, mas também do comportamento interessado do setor e do seu reconhecido poder económico-político, a indústria farmacêutica não é um tema frequente nas secções dedicadas à saúde na imprensa nacional e é-lhe atribuído, com frequência, um posicionamento oportunista, reservado, comercial e de grupo de pressão. Com lugar mais habitual nas secções de Negócios, as empresas farmacêuticas procuram a noticiabilidade pelos temas da Economia da saúde, mas também da promoção da saúde, ainda que com menos eficácia. E lamentam-se da atitude preconceituosa dos media, refletindo sobre os seus efeitos negativos junto das populações, quer pela omissão de informação, quer pela errada tradução dos seus conteúdos.

O clima de suspeição entre jornalistas e fontes constitui um ambiente clássico da assessoria de imprensa, havendo especialistas que o consideram importante para um trabalho rigoroso de ambas as partes. Ainda assim, algumas das dificuldades relatadas por jornalistas e gabinetes de comunicação levam-nos a pensar que a assessoria de imprensa em saúde deveria seguir um modelo de trabalho mais dialogante para uma influência positiva na prestação de cuidados de saúde às populações. E mesmo os temas das Políticas e da Economia da saúde (assuntos mais frequentes da noticiabilidade na imprensa) ganhariam do exercício de um modelo de assessoria de imprensa mais responsável: preciso, transparente e colaborante. Porque os registos da realidade proporcionados pelos media são construções complexas, que incorporam sempre o trabalho de dois grupos: as fontes e os jornalistas.

Teresa Ruão – Membro do Projeto “A Doença em Notícia”

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