Com perto de 10.000 textos analisados ao longo de cinco anos e meio de pesquisa, o projeto “A Doença em Notícia” aponta para várias conclusões acerca das temáticas, fontes e outras características da informação sobre saúde publicada em três periódicos portugueses: Expresso, Jornal de Notícias e Público. Mas o que reveem os vários profissionais da imprensa nos dados apresentados? Num leque de entrevistas obtivemos diversas posições acerca do papel do jornalista de saúde em relação ao público.
Antes de mais, abordemos o tema mais noticiado desde 2008 até meados de 2013: as Políticas de Saúde. A apetência por este tema parece surgir tanto da inclinação do profissional para o mesmo, pela importância que assume junto da população, por se refletir diretamente nas suas vidas, afetando “toda a gente”, ou pelo leque de fontes disponíveis, mais institucionais e oficiais, as últimas das quais que também se destacam por marcar a agenda. No entanto, alguns jornalistas assumem o fraco contacto com os agentes mais visados: os pacientes. Esta é também uma justificação de alguns profissionais para a reduzida percentagem dedicada à publicação de assuntos ligados a enfermidades, onde se busca a história pessoal do paciente, que é usado como fonte para dar um testemunho e não uma informação nova. Se as Políticas de Saúde são a temática mais frequente, do outro lado temos a Prevenção que, apesar de ser entendida como importante, não é abordada.
A mediação, reconhecida nestes precisos moldes por vários jornalistas, passa também pela tradução da linguagem técnica que envolve o tema da saúde, seja para tratar uma doença ou um tema político. Exemplifica-se com as questões de reorganização de serviços, com luta de classes médicas, a necessidade de “mastigar” o conteúdo que vem em relatórios ou descodificando a informação prestada pelo governo de modo inteligível ao leitor. Alguns dos profissionais inquiridos sentem a necessidade de “ver um rosto” para “fazer a ponte” da informação com as pessoas. No fundo, “o jornalista trabalha para o leitor”, dizem-nos. E o leitor acaba por contactar o jornalista em busca de informação adicional ou mesmo com sugestão de contactos. Em última instância, a noção de “alertar” o público para determinadas situações faz parte do papel do jornalista, mas é também “transversal a muitas áreas”. Outros sentem-se claramente como intermediários ou tradutores para os leitores. Para esta tradução, os jornalistas têm na bagagem fontes mais próximas que usam para explicar conceitos mais peculiares.
Graças à abordagem da temática da saúde por longos períodos, alguns jornalistas começam a habituar-se tanto ao vocabulário médico como ao político, o que acaba por tornar a sua escrita ela própria alvo de necessidade de tradução de textos em “saúdez”, com alertas da parte dos editores. É aqui que assumem importar, mais uma vez, a colocação na pele do leitor para evitar este aspeto. De modo geral, há uma clara preocupação deste leque de jornalistas com o público, notando-se o autorreconhecimento como mediadores entre as informações provenientes das fontes, sejam elas oficiais, institucionais ou documentais, e o leitor, a quem querem dar informação mais simplificada, correndo o risco da crítica da parte de quem lhes fornece informação e que exige a cientificidade crua no que é publicado.
Luciana Fernandes – membro da equipa do projeto “A Doença em Notícia”; doutoranda de Ciências da Comunicação – Universidade do Minho