Do Activismo aos Movimentos Sociais da Saúde: velhas reivindicações para uma agenda participativa, o caso VIH/SIDA
Resumo:
Entre a Declaração de Alma-Ata (1978) e a Declaração de Helsínquia (2013), decorreram 35 anos de reiteradas e solenes intenções de reconhecer e promover a participação pública na área da saúde, nas suas múltiplas dimensões e escalas de cuidados, sublinhando a importância da participação das comunidades na promoção e gestão da sua condição de saúde.
Tendo como tema de reflexão as estratégias de gestão da pandemia por VIH/SIDA, profundamente marcada pelo envolvimento da sociedade civil, propomo-nos examinar os processos de intervenção, qualificação e de transformação de leigos e de peritos-leigos, desde o contexto de activismo até à conformação de movimentos sociais na saúde, observando o processo de desafio e de transformação do paradigma de governação. A compreensão das estratégias seguidas, contestadoras da dupla delegaçãotradicionalmente instituída (Callon, 2001; Filipe, 2009), geram um conjunto de oportunidades de extensão variável, que posicionaram hibridamente estes elementos, ora como actores sociopolíticos, ora como prestadores especializados de serviços, ou ainda como mediadores e (co)produtores de conhecimento que, simultaneamente, contestaram a medicalização da sexualidade, ao mesmo tempo que marcaram a agenda política e mediática, influenciaram a produção de conhecimento e pugnaram pela distribuição e aperfeiçoamento de dispositivos médicos, democratizando o acesso à inovação de ponta. Para a compreensão deste percurso, ancorado na gestão da informação e no reforço da cidadania, procuraremos evidenciar criticamente os processos de agregação de valor ao nível da transferência de conhecimento e de (re)apropriação do mesmo em contexto formal e informal propostos por Araújo (1999).Este processo de comunicação e suporte (care & soothing) consciente e intencional, emergente como ferramenta de actuação num contexto de crise, construindo uma nova relação entre os cidadãos e os peritos, em alguns casos capturando-os para relações de activismo e de empoderamento leigo, alterando o percurso de uma patologia que, aparentemente poderia ter seguido o percurso de outras doenças negligenciadas.
Os ganhos alcançados no esclarecimento da história natural da doença, bem como na gestão do quotidiano dos portadores VIH+ são notáveis, afirmando-se como um importante benchmarking ao nível da decisão, relacionamento e agenda participativa, cujo potencial parece não ter alastrado de forma tão assertiva para outros domínios da gestão da doença e dos direitos da pessoa doente.
Paulo Nuno Nossa nasceu em 1966. É doutorado em Geografia (2005) e, no presente, é docente no Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Acumula experiência diversa nos domínios da Geografia da Saúde. Foi co-redactor do Plano nacional de Luta Contra a SIDA (2004 – 2006) e Coordenador da Unidade de Prevenção da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida. Possui diversos livros e artigos publicados em revistas nacionais e internacionais nos domínios da Geografia, Educação e Saúde.