Comunicação para a Saúde … precisa-se! Comunicação e Saúde: os factos

Manuela Mendonça Felício

Médica de Saúde Pública 

Estima-se que, em média, durante a sua vida profissional, um médico de uma especialidade clínica possa efetuar cerca de 150.000 entrevistas clínicas. Se considerarmos a entrevista clínica como uma intervenção médica, este será, seguramente, o tipo de intervenção que o médico mais utilizará ao longo da sua carreira. Poder-se-ia estabelecer um paralelismo semelhante com a atividade de outros profissionais de saúde não médicos (como, por exemplo, as consultas e/ou atendimentos efetuados pelos enfermeiros e pelos técnicos de saúde/técnicos superiores de saúde).

Existe uma cada vez maior evidência de que uma abordagem estruturada da comunicação melhora a prestação dos cuidados de saúde e os resultados da mesma, nomeadamente:

Facto 1: Existe uma associação entre as competências comunicacionais dos médicos e a vontade/capacidade do doente para aderir à terapêutica proposta;

Facto 2: A capacidade do profissional de saúde para explicar, escutar, estabelecer uma relação e criar empatia pode ter um efeito profundo na satisfação e confiança do doente;

Facto 3: A melhoria da comunicação profissional de saúde-doente constitui um passo importante para, entre outros, a melhoria dos resultados em termos da prevenção da doença, mudança sustentada de comportamentos e autogestão da doença crónica;

Muitos outros Factos sobre Comunicação e Saúde poderão, por exemplo, ser acedidos em    http://healthcarecomm.org/annotated-bibliographies/

Em 2010 foi lançado pelo governo norte-americano aquilo que poderemos chamar o seu Plano Nacional de Saúde – o “Healthy People 2020”, que dá continuidade ao “Healthy People 2010”. Neste último, pela primeira vez foi dedicado um capítulo à comunicação em saúde, reconhecendo-se a sua relevância para todos os aspetos da saúde e bem-estar individual e das populações, incluindo a prevenção da doença, a promoção da saúde e a qualidade de vida.

Portanto, a Comunicação em Saúde não só é importante pelo seu impacto potencial na saúde individual (sobretudo, através da relação profissional de saúde-doente), como também pelo facto de ser considerada atualmente como uma condição essencial a uma intervenção em Saúde Pública efetiva (ou seja, que conduza a ganhos em saúde das populações). Leia-se, a este propósito, o artigo “Communication at the core of Effective Public Health” , que poderá ser acedido em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1448586/

A área da Comunicação em Saúde tem ganho um cada vez maior reconhecimento, não só pela evidência científica que tem vindo a ser gerada, como também pelo seu enfoque na combinação entre a teoria e a prática, na compreensão dos processos de comunicação em saúde  e na mudança do comportamento humano. Na verdade, grande parte dos desafios de saúde pública globais que enfrentamos hoje em dia (como o tabagismo, a obesidade e a vida sedentária) têm a sua raiz no comportamento humano.

Rajiv Rimal  (Johns Hopkins University) e Maria Lapinski (Departamento de Comunicação, Michigan State University), num artigo publicado em 2009 (Bulletin World Health Organization, 2009;87:247) afirmavam que  “…os especialistas em Comunicação e Saúde, ao juntarem investigadores e profissionais de diferentes disciplinas e ao adotarem abordagens teóricas a múltiplos níveis, têm uma oportunidade única para darem contributos significativos para melhorarem e salvarem vidas.”

Comunicação para os profissionais e serviços de saúde: três áreas prioritárias

Apesar da evidência crescente sobre o papel central que a Comunicação deve ter na atividade dos profissionais e serviços de saúde, o facto é que, em Portugal, existe, ainda, um longo caminho a percorrer que, na minha perspetiva, terá que assentar num investimento planeado e sustentado em três áreas prioritárias:

Área 1: Formação pré- e pós-graduada dos profissionais de saúde (tendo em vista a aquisição/desenvolvimento das necessárias competências comunicacionais) e dos profissionais da comunicação (tendo em vista a sua especialização/sub-especialização na área da Saúde);

Área 2: Investigação-ação (privilegiando os projetos conjuntos, envolvendo investigadores e profissionais das áreas da Comunicação e da Saúde);

Área 3: Consultoria/Apoio técnico aos Serviços de Saúde, que poderá assumir um caráter mais institucional (criação de uma Assessoria para a Comunicação nos Serviços de Saúde) e/ou resultar de uma articulação interinstitucional.

Ben Janaway, um estudante de Medicina da Sheffield Medical School (UK), ao escrever, num blog , acerca da importância da comunicação na prática clínica, referia o seguinte: “A aplicação do nosso conhecimento científico não é mais importante do que as ferramentas necessárias para o comunicar. Da mesma maneira que o conhecimento de um médico não é mais útil para um doente do que aquilo que este consegue compreender.(…)

A comunicação pode mudar drasticamente a experiência de doença de uma pessoa. Se as suas questões não são respondidas, a incerteza pode levar a anos de receios injustificados. Se o médico parece apático, pode ser perdida a confiança no médico ou, até mesmo, no próprio sistema de saúde. (…) 

Dar resposta a estas questões requer conhecimento científico, mas a comunicação deste conhecimento constitui uma componente importante do treino do jovem médico. A relação simples de informação tem que ser reinventada, de modo a tomar em conta as expectativas do doente, estabelecer uma relação e, mais do que tudo, deitar por terra a velha barreira paternalista retratada pela imagem do médico atrás da secretária.(…)”

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